“A sustentabilidade é um tema antigo quando se fala de cidades e vilas e a sua relação com o ambiente”.
A Carta de Aalborg (1994), que surgiu na sequência do Tratado de Maastricht (1992), veio fortalecer a urgência de definir as opções estratégicas de desenvolvimento sustentável para as áreas urbanas, evidenciando-se o kick off das políticas de sustentabilidade local. Apelava-se aqui à forte participação da administração local para a implementação da Agenda 21 e da governança territorial.
À época, as preocupações emergentes com as alterações climáticas vieram reforçar a necessidade urgente de agir, contrariar o crescimento urbano desmesurado e regular as atividades económicas com impactos relevantes no ambiente, implementando ações corretivas e devolvendo ao ambiente aquilo que lhe foi tirado desde os tempos da revolução industrial.
Na trilogia da sustentabilidade o vértice da economia estava cada vez mais ameaçador, o do ambiente mais ameaçado e o social mais frágil. As políticas urbanas e ambientais tornaram-se então cada vez mais agressivas nestas matérias de modo a contrariar as tendências desastrosas que se previam. Aqui se começava a evidenciar a importância dos atuais critérios ESG (Environment Social and Governance) para a economia urbana e planeamento territorial.
Já em 2014, o Fórum Económico Mundial considerava os riscos ambientais, associados a eventos climáticos extremos e catástrofes naturais, como preocupação de topo com forte impacto nos riscos sociais nas próximas décadas.
A ONU, visando a melhoria das condições e qualidade de vida das populações, ao definir os 17 ODS (Agenda 2030, 2015), veio apelar à participação de todos para o sucesso da implementação desses objetivos. O apelo chegou a todos, seja à administração central, local, seja às empresas e aos cidadãos. O desenvolvimento sustentável só é possível com a reeducação da população, inseridos estejam os decisores. E esta, como atriz principal nos cenários das cidades e vilas, veio ditar as tendências e vontades de um planeta mais saudável.
Essas tendências e vontades obrigaram a repensar o território, o modo como se planeia, como se desenha, como se ocupa, como se usa, como se investe.
As políticas nacionais em matéria de ambiente e de ordenamento do território promovem a integração das diretivas nos instrumentos de gestão territorial fazendo-os convergir para as políticas de mitigação e adaptação às alterações climáticas. Alterações transversais foram e são necessárias em todos os setores – habitação, educação, saúde, mobilidade, energia – exigindo um pensamento integrado, inclusivo e capaz de apresentar soluções eficientes e duradouras.
A eficiência da mudança poderá assentar num conceito de simbiose urbana, onde o setor privado e o setor público no mesmo interface promovem a economia circular, intercetam vontades e capacidades, onde cada um oferece o seu propósito, em conjugação com os critérios ESG e no pleno conceito de governança territorial.
A simbiose urbana realça a importância de considerar nos novos modelos de ordenamento conceitos como: sustentabilidade e solidariedade intergeracional; economia; coordenação dos interesses públicos e privados; subsidiariedade; equidade; participação e intervenção dos cidadãos; responsabilidade; contratualização e concertação; segurança jurídica; governância e governabilidade.
Os objetivos que estes conceitos traduzem evidenciam a natureza integrada do processo de planeamento com base na economia circular, tanto para a implementação das novas soluções sustentáveis como na solução de ações corretivas. Compreendem também as diversas vertentes dos sistemas territoriais, incidindo sobre as condições de vida e de trabalho das populações, os valores culturais, ambientais e paisagísticos, as oportunidades de emprego, as estruturas económicas e produtivas, as formas de uso e ocupação do território e a rentabilização e criação das infraestruturas.
Há já vários exemplos de maior ou menor sucesso de evidente simbiose urbana quase sempre associados ao local branding, como o caso de Oeiras Valley, Marvila ou mesmo o East Side de Lisboa.
Este processo de simbiose apresenta-se assim como um potencial fator de sucesso, que irá obrigatoriamente gerar relações mais fortes entre o planeador, o corpo político, os investidores e os cidadãos, evidenciando novamente a importância das ESG em todos os players urbanos.
Resulta assim num processo integrado no qual se confrontam interesses e valores associados às três componentes básicas da organização do território: o ambiente, a população e a economia. A compatibilização destes elementos deverá traduzir-se num modelo de ocupação do solo que respeite os princípios da harmonia, do equilíbrio e da sustentabilidade. Este é o grande desafio que se coloca neste processo de “transformação em direção a economias líquidas, resilientes ao clima, circulares e positivas para a natureza, promovendo oportunidades socioeconômicas com base na capacidade local, necessidades e condições ambientais individuais” (U7, News, 20/4/2023).
Artigo de Opinião de Marta Falcão – Head of Urbanism, publicado na Ambiente Magazine no dia 16 de junho 2023