Para ultrapassar as assimetrias que a crise pandémica provocou, o setor imobiliário precisou de respostas rápidas e alternativas de oferta face a uma nova procura assente em modelos mais flexíveis e sustentáveis. De um modo geral antecipa-se que este ano traga uma nova confiança no clima económico e, com isso, a retoma das decisões até agora suspensas por parte dos ocupantes e dos investidores.
Isso irá contribuir para dinamizar a procura de escritórios em 2022, principalmente por parte de empresas tecnológicas, de Business Process Outsourcing e de FlexOffices. A adoção do trabalho híbrido e do hotdesking são uma realidade que se irá manter e que traça um ponto de viragem neste setor. Temos testemunhado uma nova forma de planear os espaços, integrando conceitos sustentáveis e a eminência de se cumprir o almejado “work life balance” que a pandemia veio fazer notar. A conclusão de alguns edifícios de escritórios novos para responder a esses padrões irá elevar a qualidade do stock de edifícios, onde se poderão observar rendas de mercado mais elevadas.
O industrial e logístico foi a estrela do setor e continuará a protagonizar grandes operações em 2022. O aumento exponencial da procura permitirá finalmente responder à escassez de produto transacionável no mercado de investimento através do renovado interesse dos promotores em desenvolver produto novo. Até o momento, os ocupantes que detêm capital têm desenvolvido os seus próprios projetos, porém muitos estão disponíveis para soluções de arrendamento. Como tal, os projetos especulativos e/ou built to suit irão dinamizar o mercado industrial e logístico em 2022. A construção mais célere deste tipo de ativos permite um ajustamento rápido entre a oferta e a procura dando resposta ao apetite dos investidores por este segmento.
Já os setores de retalho e turismo têm sido os mais impactados pela pandemia, mas é curioso que mesmo dentro destes o comportamento tem sido heterógeno, havendo segmentos que se têm destacado (como os retail parks e stand alones, no retalho, e o turismo rural e aldeamentos turísticos, na hotelaria). A recuperação da atividade turística em 2022 para cerca de 25% dos níveis pré-COVID permitirá a recuperação do comércio de rua (cujo tráfego caiu 60% face a 2019) e dos hotéis nas cidades de Lisboa e Porto (cujas taxas de ocupação estão 50% abaixo de 2019).
O mercado residencial provou o seu dinamismo novamente com um aumento quer em número de imóveis transacionados quer em volume de vendas totais. Porém, o fim dos Vistos Gold e das moratórias, a redução da maturidade dos empréstimos e do limite da taxa de esforço, e o aumento esperado das taxas de juro trarão constrangimentos à capacidade de as famílias portuguesas contraírem empréstimos. Para já, antecipa-se uma estabilização dos preços de venda em 2022 e uma oportunidade para revitalizar o mercado de arrendamento (designado de Private Rented Sector), reforçando o interesse dos promotores pelo desenvolvimento de projetos construídos de raíz para o efeito.
Os principais desafios para o mercado imobiliário em 2022 estão relacionados com a elevada carga fiscal, a imprevisibilidade dos custos de construção e o potencial aumento das taxas de juro.
A construção sempre foi um medidor de crise, e desta vez, passamos por um processo de crise sem que a construção fosse afetada, muito pelo contrário. Acabou por ter um papel fundamental na performance do mercado imobiliário e na confiança que assegurou aos diversos players com que atua.
Num contexto onde um dos maiores desafios que estes irão enfrentar está relacionado com a escalada dos custos de construção, que traz um elevado grau de imprevisibilidade da margem de lucro aos promotores/investidores, ainda mais relevante é a carga fiscal.
A recente extensão do regime de IVA a 6% da habitação a custos controlados à construção de habitação para arrendamento acessível vem incentivar o desenvolvimento de projetos residenciais BTR (Built To Rent) que irá beneficiar particularmente o segmento residencial ao longo de 2022. No entanto, esta medida por si só não é suficiente para manter os níveis de construção em Portugal, sendo urgente a revisão dos incentivos fiscais neste setor.
A estes desafios acresce a dificuldade de acesso a financiamento bancário nomeadamente com a potencial subida das taxas de juro tanto pela normalização da política monetária do BCE, como pela aplicação da EU Taxonomy, que irá requerer que os investidores comecem a diversificar a forma como se financiam através de formas complementares (e.g. joint ventures, mezzanine loans, equity finance) e que passem a reportar de forma transparente a sua matriz de risco dos fatores ESG.
Portugal tem-se mantido na mira dos investidores, mesmo em pandemia, e há novos players a investir no país. Essa continuará a ser a tendência? Porquê? Nacionais ou estrangeiros? E de que perfil e em que áreas do imobiliário?
Estes últimos dois anos têm sido um desafio contínuo para o sector imobiliário que procurou sempre reagir rapidamente à troca do efeito procura/oferta.
Apesar do investimento estrangeiro canalizado para o imobiliário comercial ter reduzido para 70% em 2021, ao passo que em níveis pré-COVID rondava os 90%, Portugal conseguiu manter-se competitivo e interessante para os investidores estrangeiros que não deixaram de querer continuar a investir no país.
Houve inclusive investidores que se estrearam em Portugal com algumas das maiores operações do ano, tais como Tikehau (Portfólio ZIP por €333 milhões), Icade Santé (Fundo Saúdeinveste por €213 milhões), Azora (hotéis Tivoli por €148 milhões) ou Sixth Street (Quinta da Fonte por €145-150 milhões) e Jamestown (Entreposto por €98 milhões). Estes investidores trouxeram grandes novidades ao mercado imobiliário comercial de Portugal com a procura por ativos ligados à saúde e habitação que até à data tinham uma representação muito residual no país.
Os investidores do tipo core e core plus têm uma grande presença no mercado nacional e são investidores com grande preocupação em gerar rendimentos estáveis a níveis de risco muito baixos. Para estes, prevalece a minúcia na seleção de ativos nomeadamente em relação à localização, qualidade do inquilino, duração dos contratos e, por vezes, potencial de upside. Mas acredita-se que, com a emergência das questões relacionadas com a sustentabilidade, o potencial de valorização subjacente à certificação ambiental dos edifícios traga oportunidades de reposicionamento dos ativos a investidores com um perfil mais value-add.
De forma geral, o mercado imobiliário continuará a dar provas do seu potencial e a sua criatividade estará emergente lado a lado com as alternativas que a Sustentabilidade Imobiliária exige. Em 2022 continuaremos a ter motivações para a descarbonização da economia, não só com a legislação europeia, mas também com as oportunidades que se desencadearão no mercado.
Artigo de opinião de Sílvia Dragomir – Head of Research for Real Estate & Sustainability, publicado na revista Vida Imobiliária de janeiro 2022.