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Vem aí mais uma bolha imobiliária?

Pedro Rutkowski CEO Worx
Pedro Rutkowski, CEO

Não é possível falar de tendências no imobiliário e de riscos da chamada “bolha”, sem equacionar o potencial de investimento que o setor representa e sem enquadrar esse potencial no modo como perspetivamos o futuro.

O imobiliário é, para muitos, um ativo de investimento que, sendo tangível, se torna mais apelativo face a outro tipo de ativos intangíveis e mais complexos. Em paralelo, sobretudo em Portugal, corresponde muitas vezes à aquisição de um bem de primeira necessidade – a casa, e converte-se na poupança “forçada” que as soluções de arrendamento não possibilitam.

Em tempos de crise financeira, o mercado imobiliário sempre se apresentou como uma alternativa interessante: quando a falência dos bancos se tornou um risco palpável, muitos aforradores, beneficiando da queda dos preços dos ativos imobiliários, desviaram as respetivas poupanças para o imobiliário, que se converteu num ativo de refúgio.

No período de taxas de juro historicamente baixas que se seguiu à crise financeira, e com os bancos a não remunerarem positivamente as aplicações dos seus depositantes, a tendência manteve-se, até pelo potencial de valorização que os ativos, sobretudo a partir de 2016, passaram a evidenciar.

Num contexto em que a procura se tornou muito superior à oferta, a subida dos preços seria sempre inevitável. E havendo ainda muita liquidez no mercado, direi mesmo que é natural que, nalguns segmentos e no próximo semestre, a tendência de subida dos preços se mantenha.

Mas preços altos não são sempre sinal de bolha imobiliária. Neste caso, são apenas sinal de que a procura, não sendo satisfeita pela oferta disponível, está disposta a pagar mais caro. E este movimento nada tem a ver com os tempos de dinheiro barato, nos quais a valorização dos ativos era feita em função do crédito que era necessário atribuir para cumprir objetivos de crescimento do setor financeiro.

Com taxas de juro negativas, as decisões de aquisição eram fáceis. E, muitas vezes, semelhantes decisões de aquisição não contemplaram, nem os custos adicionais que a propriedade comporta, nem os incrementos que o inevitável fim do ciclo de taxas de juros descendentes traria.

É, assim, natural, que as presentes circunstâncias de incremento da taxa de juro impactem negativamente sobre as famílias, designadamente sobre aquelas que, fosse por falta de alternativa, fosse por errada avaliação dos riscos e custos da propriedade, alocaram parte substancial (ou a totalidade) da sua “riqueza” e poupança à aquisição de casa própria.

Por outro lado, é também interessante refletir que, a par das situações crescentes de fragilidade financeira e económica de muitas famílias, os recentes números dos certificados de aforro revelam, em média, uma captação de 117,9 milhões de euros por dia no primeiro trimestre de 2023, sendo que só no decorrer do mês de abril foram emitidos 3.500 milhões de euros, perfazendo um stock total de 28.642 milhões de euros.

Só por si, semelhante movimento revela uma mudança de paradigma: a capacidade de canalização da poupança dos pequenos e até grandes subscritores para a dívida pública, mercê do (baixo) risco associado versus uma taxa de rentabilidade bastante aliciante.

Num quadro de evidente escassez de habitação em que o Estado se tem desmultiplicado em iniciativas, por ora só legislativas, semelhante movimento devia dar que pensar, muito para lá de cogitações sobre os milhões que o PRR corporiza.

É evidente que nem todos têm capacidade financeira para ser proprietários e é também evidente que a opção que melhor se adequaria a boa parte dos portugueses seria o arrendamento e não a “casa própria”. Para mim, que trabalho neste mercado há mais de três décadas e que tenho filhos na casa dos 20, é também evidente que se aproxima uma geração que não tem ânsias de propriedade – de casas ou de carros, desejando apenas serviço.

Finalmente, evidente é também, e os números assim o demonstram, que os países com maior percentagem de mercado de arrendamento são aqueles que produzem maior riqueza e aqueles em que os ciclos económicos recessivos têm efeitos mais atenuados.

Neste contexto, sem prejuízo de poderem ser enaltecidas algumas das medidas constantes do pacote “Mais Habitação” apresentado pelo Governo e que pretende dinamizar o mercado de arrendamento habitacional, deveria ser claro que mudanças de paradigma não se fazem apenas com o dirigismo do Estado, mas exigem o apoio, a colaboração e o empenho do coletivo.
Portugal tem empresas na promoção, na mediação, na construção e no setor financeiro, com o know-how e o empenho para participar nesta mudança. Resta saber se o Estado tem a capacidade e a vontade de as envolver nela.

Como resta saber se o Estado, para além de legislar sobre o arrendamento coercivo, é capaz de ler os sinais que a recente canalização de poupanças para a dívida pública representa. E que, ao invés de depositar toda a fé em fundos extraordinários e irrepetíveis, tenha o engenho para criar instrumentos de dívida (pública) que, com o apoio dos pequenos e médios aforradores, lhe permitam criar o parque público de habitação que diz almejar, beneficiando todos com o que de todos é.

O segundo semestre de 2023 muito nos dirá, espero, sobre este movimento. Por agora, sinais como o congelamento das rendas em nada contribuem para a dinamização do mercado de arrendamento. Associadas a isso, as constantes alterações de enquadramento fiscal e um sistema judicial ineficiente, continuarão a afastar do mercado os grandes investidores institucionais e, sem eles, a mudança de paradigma nunca acontecerá. E o mercado de arrendamento, tal como hoje, continuará a ser um mercado dos mais desfavorecidos, obrigando todos os demais a serem proprietários, nem que forçados, da sua própria casa.

Bolha não há. Mas há a incerteza sobre a nossa capacidade, enquanto país, de nos adaptarmos às mudanças que, também no setor imobiliário, os tempos nos exigem. Como otimista que sou, acredito que o segundo semestre do ano nos responda afirmativamente.

Artigo de opinião de Pedro Rutkowski  – CEO, publicado no Expresso, dia 19 Maio de 2023.

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