Contexto Macroeconómico
De acordo com os dados e projeções divulgados pelo Banco de Portugal, em 2023, a economia portuguesa cresceu 2,3%, evidenciando um abrandamento do crescimento económico face ao ano anterior (6,8%).
De facto, apesar do bom desempenho do início do ano, o segundo e terceiro trimestres trouxeram consigo alguma estagnação do clima económico, por efeito, essencialmente, da desaceleração do consumo privado e do investimento, bem como do abrandamento das exportações.
Em virtude das sucessivas subidas das taxas de juro de referência, a taxa de inflação entrou numa trajetória descendente, de 8,1% em 2022 para uma média de 4,3% em 2023, tendência que deverá manter-se no ano em curso ancorada na política monetária. Ainda assim, a meta de 2% do Banco Central Europeu só deverá ser atingida em 2025.
A dinâmica robusta do setor dos serviços contribuiu, em grande escala, para a resiliência do mercado de trabalho no último ano, ainda que no segundo semestre se tenha descortinado um abrandamento, antecipando, no ano em curso, o aumento da taxa de desemprego para 7,1%.
Este crescimento económico mais moderado refletiu a debilidade da procura externa, os efeitos da inflação elevada e a maior restritividade da política monetária, esta última com relevante impacto nas condições de financiamento dos agentes económicos. Dada a conjuntura menos favorável do quadro internacional, a procura interna desempenhou um papel fulcral na atividade económica de 2023.
Semelhante tendência deverá manter-se no corrente ano, perspetivando-se uma dinâmica ainda mais moderada e o abrandamento do crescimento económico para 1,2% do PIB. Contudo, antecipa-se que no ano de 2024 se comecem a registar os primeiros sinais de recuperação, resultando na inversão da tendência de abrandamento em 2025.
De acordo com a mesma fonte, apesar do esperado abrandamento do crescimento económico, Portugal crescerá, ainda assim, acima da zona euro (crescimento médio projetado 0,8%), graças à aceleração das exportações e do investimento, ao impacto da descida da inflação no rendimento disponível das famílias e ao impulso dos fundos europeus.
Não obstante, importa ressalvar o elevado nível de incerteza no panorama internacional inerente às atuais tensões geopolíticas, incerteza que, para já, igualmente caracteriza o panorama nacional dado o contexto de eleições antecipadas.
Investimento na Europa
Com o mercado financeiro profundamente marcado pelas sucessivas subidas da taxa de juro em resposta ao contexto de inflação elevada, em 2023 o volume de investimento em imobiliário comercial na Europa atingiu cerca de 133 mil milhões de euros, evidenciando uma quebra da ordem dos 50% transversal a todos os setores.
Os setores de escritórios e de Industrial e Logística foram dos setores mais penalizados pela conjuntura financeira com quebras na ordem dos 60% e 50%, respetivamente. Em 2023, o setor de escritórios registou, inclusivamente, o valor mais baixo de investimento da última década, enquanto o setor de Industrial e Logística atingiu o valor mais baixo desde o ano de 2016.
Com resultados mais animadores, o setor hoteleiro revelou-se o mais resiliente no último ano, alicerçado, em grande medida, pela plena recuperação dos níveis de procura do período pré-pandemia. No último ano, o investimento no setor ascendeu, assim, a 11 mil milhões de euros, refletindo, em termos comparativos, uma quebra mais moderada, na ordem dos 20%. Importa sublinhar, todavia, que o setor hoteleiro continua a não figurar no topo das preferências dos investidores, granjeando menos de 10% do capital investido.
O setor do retalho acumulou um total de 26 mil milhões de investimento, assinalando igualmente uma quebra expressiva de 40%.
Apesar deste cenário, os escritórios continuam a liderar as preferências dos investidores, representando cerca de um terço do volume total de investimento, seguido do setor industrial e logística.
Investimento em Portugal
Acompanhando a tendência dos principais mercados europeus, ainda que de modo mais moderado, Portugal atraiu cerca de €1.600 milhões de investimento em imobiliário comercial em 2023, o que representa uma quebra de 45% face ao ano anterior. O contexto global de incerteza resultou numa quebra do investimento estrangeiro o qual, representando cerca de 70% do volume de investimento em 2022, no ano transato representou menos de metade, mais concretamente, 42%.
O capital estrangeiro investido em Portugal foi maioritariamente proveniente dos Estados Unidos da América, representando 16% do total, seguido da Suíça com 6% e ainda França e Reino Unido, com 4% cada. Neste âmbito, releva-se a apetência do mercado norte-americano para a alocação de capital em ativos de retalho e hotelaria.
Aludindo ao tipo de players, denotou-se uma diminuição da participação de Property companies e REIT’s comparativamente ao ano anterior, verificando-se, por sua vez, uma maior representatividade dos fundos, que acumularam 73% do capital investido em 2023.
O setor hoteleiro granjeou a maior fatia do volume de investimento (40%), com um total de 640 milhões de euros, e protagonizou a maior transação do ano com a venda do portfólio dos hotéis Dom Pedro à Arrow Global por 250 milhões de euros. A excelente performance operacional do setor, que tem suplantado todos os anteriores records, impulsionou amplamente a atratividade dos ativos hoteleiros em Portugal.
O retalho foi igualmente dos setores mais resilientes, tendo sido, inclusivamente, o único setor a registar um volume de investimento superior ao do ano anterior. Contabilizou, assim, cerca de 559 milhões de euros em 2023, impulsionado pela venda de um portfólio de supermercados por 150 milhões de euros à LCN Capital Partners e um portfólio de retail parks adquirido pela First Retail Partners por 100 milhões de euros. No que concerne ao tipo de ativos, os supermercados atraíram mais de 40% do volume investido no setor, seguindo-se os centros comerciais (30%) e, por fim, os retail parks (18%).
Os escritórios assinalaram das quebras mais acentuadas do volume de investimento, na ordem dos 69%, com um total de 177 milhões de euros, o valor mais baixo desde 2013. Entre os principais negócios do ano, destacam-se a transação do Castilho 20 entre fundos da Deka Immobilien, e a aquisição do Pier III – Boqueirão do Duro pelo BNP Paribas REIM, sendo que ambos os ativos foram transacionados por valores compreendidos entre 30 e 35 milhões de euros.
Os ativos alternativos granjearam 11% do investimento, tendo a venda do Altice Arena à Live Nation corporizado a maior transação do ano, apesar das residências de estudantes representarem mais de metade do investimento neste segmento.
Por fim, Industrial & Logística captaram apenas 3% do investimento, com a maior operação do ano a ser protagonizada pela compra de duas fábricas pela Square Asset Management.
Em suma e no mercado nacional, a hotelaria continuou a ser o setor mais atrativo para investimento, pese embora seja de assinalar a maior apetência pelo setor do retalho verificada em 2023. Semelhante atratividade foi impulsionada, em ambos os casos, pelo desempenho operacional dos ativos destes segmentos.
Yields Prime
As obrigações do tesouro (OTs) a 10 anos, mercê da normalização da política monetária seguida pelo BCE para controlar a inflação atingiram o pico da taxa de rentabilidade no último trimestre do ano, com os 3,59% registados em outubro de 2023. Este valor foi o mais elevado desde o segundo trimestre de 2017.
O contexto de quebra do investimento, transversal aos diferentes setores, e condições mais restritivas de acesso ao financiamento, conduziram a uma descompressão generalizada das yields prime ao longo do último ano, com aumentos entre os 50 e 75 p.b. no último ano. O setor de Escritórios e de Industrial e Logística assinalaram os aumentos anuais mais expressivos, de 125 p.b. e 75 p.b., respetivamente.
Na primeira metade do corrente ano, poderá assistir-se uma nova descompressão das yields, seguida de uma tendência de estabilização na segunda metade do ano, face à expectativa de redução das taxas de juro em junho e, consequentemente, a uma eventual melhoria das condições de acesso a financiamento. Todavia, mesmo confirmando-se esta descida, a mesma não deverá traduzir-se, já em 2024, numa compressão das yields, compressão que, provavelmente, só se verificará em 2025.
Perspetivas Futuras
No corrente ano de 2024, é de esperar uma dinâmica do investimento muito semelhante à verificada em 2023, uma vez que que o contexto macrofinanceiro global continua a não favorecer as condições de financiamento. Adicionalmente, o mercado regista uma escassez de portfólios, portfólios que fomentaram os volumes de investimento na primeira metade do ano transato.
Os setores da hotelaria e do retalho deverão manter-se nos lugares cimeiros das preferências dos investidores. Por outro lado, não se perspetiva um crescimento substancial de investimento no setor de escritórios, o qual reflete também a falta de produto no mercado.
Sob outro prisma, a crescente atratividade do setor de Industrial e Logística deverá, em boa parte, circunscrever-se à atividade de promoção, com a entrada de novos players no mercado a traduzir-se no desenvolvimento de novas infraestruturas para ocupação própria, pelo que não se antecipa que o setor tenha uma expressão particularmente evidente na atividade de investimento.
Relativamente ao setor de ativos alternativos, no ano de 2024 deverá continuar a assistir-se a uma contínua consolidação das residências de estudantes e, eventualmente, ao alargamento da atratividade deste tipo de ativos a outras localizações fora das cidades de Lisboa e Porto. Por fim, perspetiva-se um crescimento dos segmentos das residências sénior e saúde, ainda emergentes, no mercado de investimento, mas com fundamentais de mercado que deverão promover a sua atratividade.
Artigo de Opinião de Catarina Branco, Research Analyst da Worx, publicado na Revista Confidencial Imobiliário, edição de março.