O Dia Mundial do Urbanismo é celebrado desde 1949, tendo sido decretado pela Organización Internacional del Día Mundial del Urbanismo, em Buenos Aires, Argentina [i], com o objetivo de aproximar as comunidades do Urbanismo, despertando-as para os impactos sociais e ambientais do desenvolvimento nas cidades e no território e para a importância do planeamento urbano.
O Urbanismo, enquanto técnica, ciência e política pública [ii], tem como função essencial contribuir para uma sociedade melhor e com melhor qualidade de vida.
Tem sido historicamente aplicado com estes sentidos, em contextos que resultam dele próprio, enquanto facto social, nomeadamente, de crescimento exponencial da cidade, associado a períodos de grande progresso industrial.
Recuemos ao princípio do séc. XX e à Carta de Atenas, de 1933, que exprime os princípios do urbanismo moderno (e da cidade funcionalista) a partir de um diagnóstico profundo do estado das cidades existentes. A Carta evidenciava as linhas orientadoras do exercício e do papel do Urbanismo na sociedade, apresentando soluções, à época, que pretendiam dar resposta às debilidades e problemas causados pelo rápido crescimento dos centros urbanos para o qual contribuíram, entre outros, a industrialização e os novos meios de transporte. “O caos entrou nas cidades” – declarava-se. A perceção que se tinha em relação às cidades, era de desordem, decadência, doença e revolta. A mecanização dos meios de transporte não era vista como ganho substancial de tempo. Pelo contrário, introduziria na vida citadina inúmeros fatores prejudiciais à saúde, afastando a casa do trabalho e condenando os homens a horas cansativas no trânsito, em vez de os estimular para práticas saudáveis de caminhada, por exemplo. A Carta foi apologista da cidade planeada, que devia substituir a cidade desordenada e a mudança devia fazer-se com o esclarecimento da população e com a convicção do poder político. Era mandatório o acesso ao bem estar e à beleza da cidade, por parte de cada indivíduo, nos domínios da habitação, do trabalho, do lazer e da circulação – as quatro funções do Homem na cidade. E cabia ao arquiteto-urbanista esse papel [iii] .
A Nova Carta de Atenas, de 1998, com um olhar sobre as cidades do séc. XX, que, apesar de tudo, não atingiram, felizmente, os níveis catastróficos projetados pela Carta de 1933, vem afirmar a indispensabilidade do urbanismo para a garantia de um desenvolvimento urbano sustentável, trazendo o Homem – o cidadão – para o centro do processo, o que se torna possível com as tecnologias de informação e as novas formas de comunicação. Cabe ao urbanista, em colaboração com outros profissionais de diversas áreas, interpretar e coordenar o desenvolvimento [iv].
O urbanismo tem também um papel crucial na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, na medida em que as cidades e comunidades sustentáveis constituem um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O urbanismo pode e deve contribuir para o acesso generalizado à habitação digna, a serviços básicos de qualidade, a espaços públicos verdes e sistemas de transporte seguros, inclusivos e sustentáveis, bem como para o planeamento e gestão participativos, a proteção e salvaguarda do património cultural, o aumento da eficiência dos recursos, a melhoria da qualidade do ar, a mitigação e adaptação às alterações climáticas ou a redução do risco de desastres naturais, entre outros [v].
Sete décadas decorridas, desde a primeira celebração deste Dia Mundial do Urbanismo e nove após a Carta de Atenas, as preocupações não são estruturalmente diferentes. É preciso alcançar o equilíbrio entre o meio antrópico e o meio natural, nas cidades e no campo.
Segundo as projeções do World Cities Report 2022, a população mundial a viver em cidades será de 68%, em 2050 (um aumento de 12% face a 2021) [vi]. A caracterização do fenómeno da urbanização exponencial põe em evidência a dimensão e a complexidade dos desafios que se colocam ao urbanismo e ao planeamento.
Os desafios que se impõem hoje ao Urbanismo (a par com a Arquitetura), não são muito diferentes daqueles que se foram verificando ao longo destas décadas. O necessário bem estar das pessoas só se consegue se as cidades forem pensadas para as pessoas e com as pessoas. Seja pela inevitável adaptação da cidade já existente, ou pela adoção de novos modelos urbanos e formas de habitar. É preciso continuar a devolver a cidade ao peão e facilitar as suas deslocações pendulares (as estritamente necessárias), reforçando e expandindo substancialmente as redes de transporte público e continuando a fomentar a adesão à mobilidade suave. As respostas aos desafios que as cidades nos colocam, não podem resultar em soluções precárias ou isentas de valores humanos, mas sim em soluções que, respondendo de forma adequada às necessidades mutáveis das populações, resultem no mínimo impacto possível no planeta e sejam preferencialmente reversíveis num futuro que desconhecemos.
Faça-se para as pessoas. Faça-se com o Urbanismo.
Fontes bibliográficas:
[i] Centro de Documentación – Biblioteca “Prof. Arq. Manuel Ignacio Net”, Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, Universidad de Buenos Aires, em linha (www.biblioteca.fadu.uba.ar/)
[ii] Correia, Fernando Alves e Correia, Jorge Alves, 2021. Regime Jurídico dos Programas e dos Planos Territoriais. 1ª ed. Coimbra : Almedina.
[iii] LE CORBUSIER. A Carta de Atenas, trad. Rebeca Scherer. São Paulo: HUCITEC: EDUSP, 1993.
[iv] Conselho Europeu de Urbanistas, 2003. A Nova Carta de Atenas 2003 – A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do séc. XXI.
[v] Nações Unidas – Centro Regional de Informação para a Europa Ocidental, em linha (www.unric.org/).
[vi] United Nations Human Settlements Programme (UN-Habitat), 2022. World Cities Report 2022. Envisaging the Future of Cities. Em linha (www.unhabitat.org).
Artigo de Opinião de Sónia Ildefonso, Architect – Urban Planning da Worx, publicado na Vida Imobiliária no dia 8 de Novembro 2023.